A Rinoplastia como procedimento cirúrgico é muito antiga, ancestral. Encontram-se registros de intervenções no nariz no Egito antigo e na Índia antiga, onde a punição para o adultério era a amputação total do nariz, o que excluía a pessoa do convívio social e também mostrava a importância que a aparência física teve, desde sempre, para os seres humanos. Nesse período eram procedimentos meramente reconstrutivos, sem a preocupação estética de hoje.
Mas é recente, na história da medicina, a possibilidade de realizar cirurgias eletivas. O paciente poder decidir: quero fazer uma cirurgia para corrigir algo que não gosto, que hoje é tão corriqueiro, é coisa de 60-70 anos para cá.
Até a segunda guerra mundial, morriam mais pacientes em centros cirúrgicos que nos fronts de batalha.
Era preciso resolver o problema das infecções e da dor para aumentar a segurança das intervenções. Isso ocorreu com a descoberta dos antibióticos, que começaram com a penicilina em 1926, e o controle da dor, com o desenvolvimento da anestesia e das drogas anestésicas, que tiveram um acelerado aperfeiçoamento a partir da década de 1960-1970. Controladas as infecções e adquirida relativa segurança na anestesia surgiu então uma nova possibilidade: a OPÇÃO pela correção cirúrgica de algo que incomodava o paciente.
A vaidade humana sempre existiu. Tratamentos cosméticos e tentativas de melhorar a aparência, seja por meio de produtos como cremes, vestuário, tratamentos para cabelos etc, etc e etc, sempre acompanharam a evolução humana. E, a partir da segunda metade do século XX, a cirurgia passou a ser mais uma aliada da vaidade humana. Se tornara segura e era eficaz.
Faltava apenas o treinamento humano dos cirurgiões diante desse novo leque de possibilidades, o que foi ocorrendo ao longo dos últimos 50 anos com grande velocidade, uma vez que nesse tempo, as comunicações também se aperfeiçoaram. Se hoje falamos e trocamos informações em tempo real, há 100 anos, uma carta levava 3 meses para chegar ao destino e mais 3 para voltar, o que dificultava a troca de experiência entre os profissionais.
Apenas que cirurgia é ofício que não se aprende nos livros, é aprendizado passado de cirurgião para cirurgião. Em serviços de residência médica e em cursos práticos. E, claro, pela prática e aperfeiçoamento constante do próprio profissional.
A rinoplastia é considerada a mais difícil das cirurgias, por uma série de particularidades específicas do nariz. A união de osso e cartilagem no mesmo órgão, as variações da espessura da pele de cada paciente, a cicatrização que é diferente entre as pessoas, o fato de ser órgão central na face entre outras características únicas.
Mas, a partir da possibilidade real estar disponível, o desafio estava lançado, e mais e mais médicos se dedicaram à rinoplastia, o que levou ao aperfeiçoamento das técnicas e a resultados melhores e mais controlados.
E, uma vez que os cirurgiões estavam mais confiantes e os procedimentos mais seguros, foram surgindo desafios até bem pouco tempo atrás inimagináveis. Quando se podia fazer uma rinoplastia e quando não se devia. Uma menina de 12 anos insatisfeita com o nariz pode optar pela cirurgia ou ainda é cedo? Uma senhora de 80 anos que resolva se permitir uma melhora estética pode fazer a correção cirúrgica do nariz? Um menino de 7 anos que sofreu um acidente de carro com fratura nasal, faz a correção estética quando?
Esses são, hoje, os limites a serem testados na cirurgia do nariz: qual a idade mais precoce e qual a idade mais avançada que são, eticamente, passíveis de serem submetidos à rinoplastia por desejo dos pacientes. Eu diria, depois de vinte anos de dedicação exclusiva à prática, que depende. Cada paciente precisa ser avaliado individualmente, no conjunto das suas capacidades e possibilidades antes de tomarmos a decisão.
Mas eu tive, nos últimos 30 dias dois casos bastante ilustrativos que me fizeram escrever essa pequena crônica sobre a rinoplastia. A vida me presenteou com essas duas belas histórias humanas.
Um menino de 16 anos com um nariz esteticamente feio e não funcional. Tanto lhe incomodava o aspecto do seu nariz que suas fotos em redes sociais eram com a mão sobre o nariz, tapando o mesmo, tentando usar de irreverência para disfarçar um incômodo e enfrentar o mundo. Era claro que sofria com isso. Era claro que isso lhe causaria dificuldades de desempenho social e profissional, numa civilização que sempre confundiu o aspecto físico com caráter ou capacidade técnica.
Não é à toa que a branca de neve é bonita e a bruxa má tem o nariz ‘de bruxa’. Não é à toa que o corcunda de Notre Dame tem aspecto desagradável e o bandido chama-se João Bafo de Onça. Que o Pinocchio ficava com o nariz grande quando fazia coisas erradas. Os humanos sempre consideraram, desde tempos imemoriais, o mais bonito o melhor.
Operamos o rapaz aos 16 porque o conheci aos 16, mas teria lhe operado com 12-13 se tivesse me sido apresentado seu drama pessoal nessa idade.
Uma senhora de 77 anos que sonhou a vida inteira em corrigir um aspecto do seu nariz que lhe desagradava bastante e resolve fazer a rinoplastia? Uma senhora animada, lúcida, vaidosa, bonita, saudável. Uma senhora que fazia secretos testes com prendedores de roupa para ver como ficaria o seu nariz caso fosse como ela gostaria. Quem sou eu para fazer considerações? Para dizer que já não é mais tempo para isso? Quem sou eu para diluir ânimos? Nesse caso específico, tive a meu favor o fato da filha da senhora ser enfermeira e minha amiga, o que me permitiu discutir com ela antes do procedimento sobre a ideia da mãe. Ela de pronto me encorajou. E não só me encorajou como me disse que, realmente, a mãe estava realizando um sonho muito antigo com essa cirurgia. Fiz a cirurgia, como a realizaria se essa mesma paciente se apresentasse, nessas mesmas condições, para mim, aos 87 anos. Talvez chegará o dia em que se realizará com 97, não sei, mas presumo que sim.
Afinal, posso eu, médico, frear ímpetos de vaidade em pacientes lúcidos e saudáveis o suficiente para se submeterem a procedimentos cirúrgicos? Posso eu impor a um adolescente que enfrente o cruel mundo juvenil com um defeito que lhe incomoda e para o qual exista uma solução possível?
Andava há muito fascinado por esses dois limites extremos da minha prática, que, na minha imaginação, se apresentariam mais cedo ou mais tarde: o quão cedo fazer e até que idade fazer a rinoplastia. Gosto daquilo à que me dedico, me senti gratificado pela oportunidade que o acaso me ofereceu.
E se aparecer um ainda mais jovem? Alguém com ainda mais idade? Bom, cada caso precisa ser avaliado individualmente, com o melhor senso possível. Mas o que não podemos é sonegar uma solução estética que exista para alguém que queira e nós julguemos que possa se beneficiar, independente da idade que tenha.
Hoje, mais do que nunca na história da civilização humana, a aparência é importante no desempenho das nossas atividades sociais, profissionais e no nosso desenvolvimento emocional e afetivo, de auto-estima. Não se deve tratar questões estéticas com menos afinco com que se tratam as questões de saúde e de doenças físicas.
Dr. Sergio Stangler – CRM 21.834 – Otorrinolaringologista